Até a Última Gota é Taraji P. Henson fazendo o que Tyler Perry não consegue
No começo do ano, Lawrence Lamont transformou o dia péssimo de duas mulheres negras em uma comédia afiada no ótimo One Of Them Days, com Keke Palmer e SZA. Já Tyler Perry foi para um lado bem diferente: em Até a Última Gota, ele entrega um drama pesado, tentando mergulhar fundo nas questões psicológicas e sociais da maternidade negra em situação de vulnerabilidade. A proposta é forte, mas a execução nem sempre acompanha.
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O filme se passa todo em um único dia e tenta ser ágil, mas ao acelerar demais, acaba tratando assuntos bem importantes de forma rasa. Ainda assim, a atuação poderosa de Taraji P. Henson como Janiyah Wiltkinson segura o filme nas costas e prende a gente na história.
Taraji P. Henson faz o que Tyler Perry não consegue
Janiyah é uma mulher negra, trabalhadora, mãe solo de uma criança doente que precisa de cuidados médicos urgentes. Em menos de 24 horas, a vida dela desmorona: ordem de despejo, demissão, multa de trânsito, carro guinchado e, pra completar, a assistência social ameaçando tirar sua filha. É uma sucessão de desgraças que vai escalando até que ela, completamente no limite, se vê dentro de um banco com uma arma na mão.
O roteiro tem essa estrutura de tensão crescente, sem pausas, e isso até funciona em alguns momentos. Mas a maior parte das situações beira o exagero e perde conexão com a realidade. Fica parecendo que tudo foi jogado ali só pra causar impacto.
Mesmo com toda a megalomania de Tyler Perry, o filme consegue passar a sensação de sufoco real que muitas mulheres negras enfrentam no dia a dia. A decisão desesperada de “assaltar” um banco não é glamourizada — ela aparece como o resultado lógico de um acúmulo absurdo de opressões. E isso é um dos pontos mais fortes da trama.
A estética também ajuda bastante: a câmera colada no rosto de Taraji, a iluminação escura, a respiração ofegante — tudo passa uma sensação de cansaço, urgência e desespero.
Taraji P. Henson é, sem dúvida, o coração do filme. Ela transita entre contenção e desespero com uma entrega muito autêntica. Mas mesmo com toda essa entrega, dá pra sentir que a atuação dela (e do elenco em geral) é corrida (Oi peruca da Teyana Taylor). E aí entra um ponto que não dá pra ignorar: o filme foi gravado em apenas quatro dias. Sim, quatro (Selo Tyler Perry de qualidade) — e, dependendo do ponto de vista, pode ser dito com orgulho ou como uma crítica. No meu caso, acho que é uma falta de respeito com uma pauta tão importante. Se tivessem produzido com mais tempo e cuidado, o resultado seria bem melhor.

E quando você pensa que vai acertar…
Apesar de todo o peso da narrativa, o filme tem momentos bonitos de sororidade. Mulheres que, em outro contexto, estariam em lados opostos, como Janiyah e a gerente do banco, ou entre ela e a policial que a aborda no desfecho — há empatia uma genuína aqui. As mulheres no filme não são antagonistas entre si, mas sim vítimas distintas de um mesmo sistema que as sobrecarrega. Essa conexão silenciosa entre elas, feita de olhares, gestos ou breves palavras de compreensão, fortalece a mensagem de que, mesmo em meio ao colapso, há espaço para solidariedade entre mulheres.
Essa conexão silenciosa entre elas é um dos acertos do filme e dá um respiro emocional importante.
Até aqui, o filme ainda estava se segurando. Mas aí vem uma virada no final que… olha, dá vontade de gritar. Se antes a gente tinha uma mãe exausta vivendo um dia infernal, que foi levada ao limite, depois da virada ela vira só “uma mulher em surto”. Tudo que aconteceu até aquele momento começa a ser tratado como coisa da cabeça dela. Sério?
É aí que o filme se perde de vez. Parece que relativiza tudo. Como se os problemas que Janiyah enfrentou fossem exagero, invenção. E a gente sabe que não são. Tem muita mulher passando situações semelhantes todos os dias.

E Vale a pena Assistir?
Até a Última Gota talvez seja uma das histórias mais diferentes do currículo do Tyler Perry, mas ele não consegue manter o pé no drama real por muito tempo. No fim, o filme vira aquilo que ele mais sabe fazer: um circo. E isso é uma pena.
A trama é excelente, a pauta é urgente, a atuação da Taraji é de tirar o fôlego — mas com mais tempo, cuidado e profundidade, esse filme poderia ter sido algo realmente marcante. Do jeito que ficou, parece só mais um produto apressado tentando surfar em uma pauta séria sem o cuidado que ela merece.
Até a Última Gota está disponível na Netflix
- Veja também: Crítica de Predador – Assassino de Asssassinos
Até a Última Gota talvez seja uma das histórias mais diferentes do currículo do Tyler Perry, mas ele não consegue manter o pé no drama real por muito tempo. No fim, o filme vira aquilo que ele mais sabe fazer: um circo. E isso é uma pena.