Pecadores é uma das obras mais impressionantes do ano!
Em certo trecho do filme, o personagem de Delroy Lindo solta algo tipo: “Os brancos adoram Blues, só não gostam de quem criou.” Acho que foi a partir dessa fala que tudo que eu tinha visto antes e todos os minutos que ainda viriam me fizeram ter certeza: Eu estava diante de uma das obras mais impressionantes do ano.
Dirigido por Ryan Coogler e estrelado por Michael B. Jordan, ‘Pecadores‘ é um filme que começa como terror, mas vai muito além. Ele mergulha fundo nas vivências raciais e espirituais da América do Norte dos anos 1930. A história se passa no Mississippi, em plena Grande Depressão, e mistura horror, música, crítica social e até uma pitada de humor pra entregar uma experiência única e provocativa.
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Na trama, os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (os dois vividos por Michael B. Jordan) voltam pra cidade natal, Clarksdale. Eles querem abrir um juke joint numa antiga serraria que compraram com dinheiro roubado. Com a ajuda do primo Sammie (Miles Caton), um músico jovem e talentoso, os três tentam reconstruir a vida. Só que, na noite de abertura do bar, aparece uma ameaça sobrenatural para pôr fim ao sonho deles.
Ryan Coogler, o maior que temos
Não consigo não aplaudir de pé o trabalho de direção de Ryan Coogler em Pecadores, é de uma originalidade surpreendente. E fica ainda mais surpreendente porque individualmente todos os elementos que ele decide trazer para o filme, a gente pode já ter visto em algum outro lugar, mas aqui, quando ele mistura tudo do jeito dele pra contar essa história, tenho que bater palmas, isso é direção.
Tem uma cena específica em que o personagem do Miles Caton canta, no meio da noite de abertura (meu Deus, que voz é essa!). Nem sei se dá pra explicar o impacto daquilo. Só de lembrar já fico arrepiada. E quando o narrador fala que tem gente que consegue rasgar o véu da realidade, tempo, espaço e espiritualidade quando cria música… é exatamente isso que acontece ali. É, sem exagero, uma das melhores cenas que eu já vi no cinema.
Se posso dar um conselho: Veja esse filme no cinema ou, pelo menos, com um fone de ouvido decente, porque a trilha sonora e a sonoplastia são um espetáculo à parte. A música aqui não é só trilha de fundo, é um instrumento de libertação.
A trilha sonora, feita pelo Ludwig Göransson, é um caso à parte. Ele mistura o blues com batidas tribais, cantos espirituais e sintetizadores modernos. Isso acompanha a emoção dos personagens, principalmente do Sammie, cuja música serve como ponte entre o mundo real e o espiritual.
E olha, que o Michael B. Jordan é o muso do Ryan Coogler a gente já sabe, mas também não dá pra negar o talento dele. Em Pecadores, ele se supera. Confesso que normalmente não curto muito essa coisa de um ator fazendo irmãos gêmeos (só aceito a Lindsay Lohan em Operação Cupido). Geralmente, um é sério e o outro é espalhafatoso, bem clichê. Aqui tem um pouco disso também, porém o trabalho corporal (e que corpo, meninas!) é tão bem feito que você nunca fica em dúvida de quem é quem. O chapéu ajuda também, vai.
O restante do elenco também manda muito bem. Além do Michael, quem brilhou pra mim foram Wunmi Mosaku como Annie e Li Jun Li como Grace Chow. As duas entregam delicadeza e força de um jeito bem forte.

Contraste, metáfora e tradição
O cenário racial do sul dos EUA nos anos 30 por si só já dá pano pra muita conversa. Mas quando o Coogler coloca vampiros como metáfora para a opressão branca, é aí que o filme brilha mesmo. Não é qualquer monstro que faria sentido aqui. Quando o diretor escolhe vampiros para representar “o mal” nesse filme, não é por acaso.
O filme faz esse contraste entre as tradições espirituais africanas, tipo o hoodoo e os orixás, e a impotência da igreja cristã frente ao mal que os vampiros representam. Que, assim como a cultura branca que se atrai pela cultura negra e busca, de forma violenta e a qualquer custo, se apropriar dela sem pedir permissão — bem como os vampiros tentam pegar à força o que eles querem. E veja que não é só matar as pessoas naquele lugar, eles buscam, acima de tudo isso, o talento do Pequeno Sam.
Então, quando o Slim (Delroy Lindo) diz que os brancos amam blues, só não gostam de quem criou, ele tá resumindo exatamente o que Sinners quer dizer. A branquitude, de tempos em tempos, marginaliza a cultura negra, criminaliza, depois vai lá e se apropria como se sempre tivesse sido dela.

E vale o ingresso?
Pecadores é um filme que vai muito além do terror. Ele mistura simbolismo, crítica social, espiritualidade e estética com maestria. Faz a gente pensar, conversar, sentir.
Ao explorar temas de racismo, religiosidade e resistência cultural, o filme não apenas entretém, mas também provoca reflexão e diálogo. É uma adição significativa ao cânone do cinema negro e uma prova do talento absurdo do Ryan Coogler.
Pecadores está em cartaz nos cinemas!
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Pecadores é uma adição significativa ao cânone do cinema negro e uma prova do talento absurdo do Ryan Coogler.